sexta-feira, abril 09, 2010

E no escuro...

- Amor?

- Que é?

- Me ajuda.

- O que foi?

- Levanta!

- Pra quê?

- Abre os olhos. Sai do sofá. Me ajuda!

Ele acordou da desconfortável soneca no sofá da pequena sala de tevê. Breu. Não enxergava um palmo a frente do nariz. Só o rosto da mulher iluminado pela luz de uma vela.

- A luz acabou. Não ouviu o estrondo do transformador da rua? Estou com medo que ela volte com força e queime os aparelhos. Tem que tirar tudo da tomada.

- E já fez?

- Eu não! Meter a mão atrás dos móveis, entre os eletrodomésticos, chegar perto da caixa de luz? Vá você e vá logo.

Bocejou. Mulher complicada essa... Agora, sentada na mesa da cozinha, apenas com a face cheia de luz, lembrava a imagem de uma santa.

Arnoldo preparava-se para a caça aos fios a puxar e já tendo que se conformar em desatar nós de cabos e cabos:

- Vê bem: não esquece do filtro de linha do computador de novo! - ela gritou da cozinha.

Ele ainda não se acostumara ao escuro, se espantava quando a luz não ligava se apertava os interruptores. Batendo a canela nas quinas dos móveis, agachava-se, desplugava um aparelho atrás do outro: televisão, aparelho de som, DVD, bateador elétrico, secador, chapinha, depilador elétrico, foi chegando à cozinha. Torradeira, microondas, forno elétrico, geladeira, freezer, liquidificador, batedeira. Alguns foram presentes de casamento, outros, puro capricho da mulher - necessidades que ela não necessitava.

Chegou à caixa de luz. Como podiam existir teias de aranha ali? Espantando uma mariposa que vagava sem direção, desligou a força total da casa. Um zumbido e silêncio.

Sentou-se a mesa com sua mulher, plena escuridão em volta. Sentiu-se melhor assim. Na leve penumbra não enxergava nenhuma cicatriz de plástica e não difenciava as mechas do cabelo tingido do natural. Soprou a vela. Beijou-a.

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