sábado, agosto 12, 2017

Um de cada

Hoje são dez anos com um blog. Entre várias mudanças de endereço físico e viagens, tenho há uma década um lugar na internet no qual ninguém além de mim toca.

Por três ou quatro anos eu escrevi furiosamente e sozinha dei conta de coisas obscuras. Imaginação a mil, liberdade e criatividade. Transpirava como um porco para ter inspiração: lia muitooo mesmo. Enchi minhas prateleiras, passei horas em livrarias, rasguei muitos pacotes do correio, aluguei metros de livros. Me dediquei e comprometi de forma extrema como uma pessoa apaixonada pela escrita e pela leitura.

Quem eu era e em quem eu me transformei? Pelo que eu me deixei levar para ter mudado tanto? Que transformação é essa na minha cabeça para eu ter me distanciado desse amor? Procuro um culpado porque recuso a acreditar que eu tenha a capacidade de me fazer tamanho mal. Às vezes eu consigo escrever e gostar, mas não é a mesma coisa nem de longe. É um robô sem concentração, contando caracteres e segundos, levado pela maré sem saber nadar, em cima de uma bóia furada.

Não reconheço nem admito que ocupo o mesmo corpo de dez anos atrás. Vejo como se todas as minhas células tivessem morrido e sido substituídas aos poucos, até não sobrar nada anterior. E nos ossos fraturados, ficaram as marcas identificáveis? E as cicatrizes nos ligamentos, elas permanecem uma dor quando o tempo esfria? E as glândulas piradas, elas aprenderam a se comportar em momentos de nervosismo? E a larga tatuagem no braço esquerdo, ela não sai nem com água fervendo? Vou fingir que o cabelo engrossou e as unhas cresceram em definitivo, não tem mais nada de infantil nesse corpo. Sou outra, que em nenhum grau parece com o que eu imaginei que seria.

Sinceramente, eu não imaginei nada. E se pensei, não me lembro. Então não faz diferença quem eu sou, devo ser ou posso ser. Não tenho trilhos para seguir nem modelo a copiar. Sou a soma dos meus defeitos e qualidades, as experiências, coragens e medos, as alergias e os sorrisos, o vômito de nervoso que eu segurei aquela vez, o problema no fundo da garrafa e o sorriso ao volante. Sem entender cada um desses pequenos pedaços e aprender a dançar no ritmo que eles produzem dentro de mim, eu não sou nada.