quarta-feira, junho 17, 2020

A mesa roxa

- Estamos aqui reunidos, ao redor desta mesa roxa...

Os sete homens se encararam. Alguns deles se conheciam muito bem; dois deles, o primeiro e o último a chegarem, estavam incrédulos com aquela reunião. Era algo que eles jamais teriam imaginado.

Um deles, um pouco mais deslocado, tirou do bolso o tabaco e o papel e começou a enrolar um cigarro. Ninguém tinha dito que não podia fumar naquela mesa.

Outro, o mais novo de todos, fingia que aquela história não era com ele. Ele não entendia como o sentado à sua esquerda, com os braços tatuados à mostra, tinha sido convidado para estar ali. Mas estava, tanto quanto ele. Como era possível?

O segundo a chegar não queria aparentar, mas estava totalmente envergonhado com aquilo. Ainda, ou já meio bêbado, demonstrava a sua maior façanha: equilibrar um copo sobre a barriga, que escapava da camisa.

O seguinte estava enfurecido. Não tinha sido combinado que ele seria chamado para sentar, achou que ficaria só no cantinho, talvez conversando com a garçonete do bar. Mas quando chegou, lá estava a cadeira com o seu nome marcado.

Enfim, era desconfortável, mas eles já tinham se reunido antes, só não sabiam. Os seus nomes compunham a lista estúpida de um caderno, e agora eles juntavam suas forças por algo maior. A voz prosseguiu:

- Estamos aqui reunidos, ao redor desta mesa roxa, para nos tornarmos uma sanguessuga. A mais forte que jamais existiu. Essa é a nossa única chance de vitória.

Todos se inclinaram para ouvir melhor aquele plano. O segundo derrubou na mesa o copo que apoiava sobre a barriga; o quinto, que nem o conhecia, passou um pano para secar o líquido derramado.

- Mas essa não será uma sanguessuga convencional. Para funcionar, ela terá que agir de dentro para fora. Estará na carne, nadando no músculo, mordendo a parede interna da pele, agindo para trazer para dentro tudo que há de ruim no exterior.

Um pigarro. Seguido por um longo assovio.

- Estamos entendidos quanto ao propósito do animal?

Só um deles compreendeu o funcionamento biológico da coisa; e para imitar o que fumou primeiro e mostrar sua superioridade, ele tirou um maço de cigarro do bolso e ofereceu a todos. Dois aceitaram, e o isqueiro passou entre eles.

- Temos um combinado. Vamos sugá-la até ela morrer.

*

Ela acordou com uma dor na lateral da coxa. Mas nem doía tanto assim.

Ao trocar de roupa, notou um ponto roxo. Sentiu-o um pouco mais quente do que o resto da pele e, com certeza, mais sensível também.

Não lembrava de ter batido a perna em lugar nenhum. Afinal, estava em quarentena e não saía de casa. Devia ter esbarrado em alguma mesa, no braço da cadeira. Numa quina qualquer.

Comparou o hematoma com a altura dos seus móveis: eram todos mais altos ou mais baixos do que o roxo. E a dor seguia ali, perfeitamente redonda, mais escura a cada dia, pulsando... Consumindo a sua paz.