quinta-feira, junho 07, 2018

A vingança é um prato que se come congelado

O celular não parava de apitar e ele continuava a dormir pesado. Ela alcançou a tela em meio aos lençóis e se assustou com a claridade. De sua miopia, só conseguiu ver um mesmo nome feminino repetido diversas vezes, titulando emojis, pontos de exclamação e reticências. Acompanhados de palavras de baixo calão bem sugestivas.

Decidiu desbloquear o aparelho. Ao seguir naquela conversa, com o coração explodindo, ela queria ser pega no pulo e apanhar, ouvir gritos até ficar surda e não ter respostas para legitimar o ciúme. Mas ele permaneceu em um ronco baixo e ela continuou lendo. Voltava na leitura um dia, uma semana, doze dias, sem que o assunto esfriasse.

A ardência da conversa estimulou a quentura de seu sangue. Do coração quebrado nasceram imensos chifres, a encher seus olhos de lágrimas e ódio. Mal deu tempo de pegar as roupas espalhadas no chão e tirar a calcinha do avesso para vesti-la. A malha e a blusinha que ficavam, respectivamente, em cima e embaixo da camisa, se perderam na pressa.

Sem respirar, fechou a porta do quarto e a do apartamento. Desceu à rua e atravessou um, dois, três quarteirões, tremendo nos saltos até a padaria. A certeza que a nutria nos últimos meses se mostrara insípida e o vazio se transportava do peito ao estômago. Precisava preenchê-lo por segurança, não por apetite. Uma opção honesta de comida destoaria da situação.

Pediu duas bolas de sorvete de chocolate para congelar os ânimos. Naquela hora da manhã, a casquinha gelada poderia tomar o tempo que precisasse para ser saboreada. Do sólido para o líquido a cada lambida, como todos os sabores a derreter e todos os pingos que mancharam suas roupas, este não seria o final. Aquilo não era a sobremesa.

Era só o aperitivo.