quinta-feira, agosto 29, 2019

A última página

Bom, é assim que eu me despeço de vocês. Não porque eu vou sumir da face da Terra, mas porque vou deixar de escrever, aqui e em qualquer lugar. Nem mais uma vírgula, nem mais um parêntese, nem um espaço entre as minhas ideias. Nunca mais quero abrir o Word nem bater no teclado. Ter que pedir para o garçom uma caneta para anotar um pensamento idiota no guardanapo. Ficar em silêncio para digitar uma bobagem no celular. Usar discretamente o bloco de notas durante o trabalho, separando o profissional do estritamente pessoal. Pedir uma folha de caderno para um colega que eu nunca mais vou ver. Escrever mesmo na palma, nas costas e nos dedos da mão, passando do pulso ao cotovelo, rezando para que o suor não apague tudo.

De agora em diante não quero mais ser alguém que tropeça numa inspiração, cai feio, se machuca e fica cheia de dores por uma semana, só pensando no sopro que esbarrou em mim.

Vou largar o compromisso de estar sempre atenta a cada um que passar ao meu redor. Nada mais vai me despertar a curiosidade de saber como essa pessoa é atrás da porta, depois do expediente, com outras máscaras, embaixo dos lençóis. É o fim da ânsia de parar o tempo e me teletransportar para a cadeira do computador do jeito que estou, sem mudar nada.

Espero não ter mais aqueles pensamentos que me acordam quando estou quase pegando no sono, tão instigantes que preciso gravá-los de algum jeito, em algum lugar. Prometo para mim mesma que vou lembrar até amanhã; e esqueço.

Quando eu parar de escrever, as pequenas coisas que me incomodam vão sumir. Junto com elas, acredito que todos os meus problemas vão desaparecer também. Sem o ímpeto de achar histórias nos menores lugares, o pêndulo entre viver e escrever vai tombar obrigatoriamente para um lado só. Vou poder me dedicar a uma vida sem reflexões doentias sobre tudo que acontece, sem palavras, sem linhas, sem som. Sem vida.