domingo, setembro 29, 2019

Oi

Se meus professores soubessem que eu escrevo aqui, ah, eles me matavam.

Não pela qualidade, pelos temas ou pelo estilo. Mas pela ideia de jerico de manter um Blogspot em pleno 2019.

Tem jeito mais antigo de divulgar os meus escritos? Tantas ferramentas, aplicativos que eu poderia utilizar, tantas formas de propagar as minhas ideias, e eu insisto num blogzinho muito amador, mal-acabado, sem design nenhum. Não levo nada para as minhas parcas redes sociais; não aproveito o que a tecnologia me oferece. Só posto aqui uma vez por mês, de acordo com a meta preguiçosa que eu estabeleci, e deixo os meus textos públicos, tomando ar. Quem quiser vir, que venha. Quem souber de antemão que esse é o meu lugar, por acasos do destino, e quiser ler, que o faça.

Ao jogar meu nome na internet, esse endereço até que é fácil de achar. Mas por que diabos alguém jogaria meu nome na internet, pesquisaria sobre mim aleatoriamente? Enquanto eu não linkar esse meu trabalho com os perfis que já tenho e cultivá-los pouco a pouco com meus textos, não há motivos para que esse blog ganhe mais do que um comentário perdido por ano.

Pode não ser essa a melhor hora para isso. Não é o momento certo para eu investir e esperar algum retorno, eu deveria me atualizar e me lançar apenas quando estivesse mais preparada. Mas é isso o que eu posso fazer por enquanto; é assim que eu gosto de escrever, e continuar com isso já me é mais do que prazeroso. Não devo ter medo de tentar expandir um pouco o público que aparece na minha sala de estar para me dar um oi.

Em outridade

Tem aquele, o outro. Aquele outro que está em todos os sonhos, os arrepios e os olhares errados. Putz, é bom, mas tem algo de desconfortável.

Não importa o fato de que, quando ele abre a boca perto de mim, ele se torna muito menos interessante e cheio de buracos. Ele de verdade, apesar dos meus esforços, seria insuficiente para qualquer coisa que não me emprenhar de imaginações impuras com o seu cheiro, as suas mãos e o seu sorriso. E essa não é uma questão de sexo propriamente dito, mas de poder que eu exerço sobre mim mesma (nenhum), sobre os outros (testando limites) e sobre essa narrativa louca que eu criei. Dou corda para essa coisa aparentemente impossível e vou quebrando meus próprios acordos, como eu já fiz outra, e outra vez – e tive motivos para entrar em guerra comigo mesma para não atirar em ninguém. Preferi sair brigada com o meu reflexo do que perder meus pilares, arrependida do sim que era não – e que pouco deixei respirar.

Isso é sujo? É errado? Então por que me dá tanto prazer e eu insisto em pensar? Por que essas ideias batem na minha porta e eu insisto em atender, contra tudo que eu imaginava? Ou assumo que é um desvio de programação, no qual eu vou insistir porque sim – porque me instiga –, ou me censuro com menos ódio. Vou tentar fingir que não fui eu que cheguei às últimas consequências, ao último centímetro do abismo, e até dei risada do que vi.

Cauterização sem fogo

Há alguns meses tive uma afta.

(Não sei se essa história pode começar sem alguns parênteses).

(Eu tenho um problema crônico com aftas, herdado do meu pai. Tenho muitas, frequentemente em grupos, por toda a boca, principalmente quando estou com a imunidade baixa).

(Rapidamente, o que é uma afta? De acordo com o site do dr. Drauzio Varella, “aftas são pequenas úlceras rasas que aparecem na cavidade oral, geralmente na mucosa bucal, nas gengivas e embaixo da língua”).

(Prossigamos).

Há alguns meses tive uma afta. Como todas as outras que a acompanharam, era muito feia, de bordas brancas e absolutamente sensível. Usei da minha experiência com pomadas específicas para tratá-la, às vezes esquecendo e sem querer enfiando a escova de dentes bem no centro da dor.

Um novo ciclo de aftas apareceu e essa afta em específico continuou feia. Estacionou na gengiva, em cima do primeiro pré-molar superior direito. Não se curava por nada e continuou comigo por bem mais de um mês – sem melhorar, aparentemente só piorando.

Fiquei desconfiada, mas não quis denunciar a minha apreensão. Falar disso para alguém tornaria público o meu medo, e conscientizaria a afta do incômodo que me causava. Se a afta soubesse o quanto me machucava a sua presença, antes irritante, agora preocupante, ela ganharia sua batalha contra o meu corpo, inútil na tarefa de se recuperar.

Guardei de boca fechada esse segredo que sangrava e latejava. Mal comia, nem falava, não beijava. Ficamos juntas por mais algum tempo, cultivando uma intimidade doída, já que não podia cortá-la fora – era um machucado para dentro, e atentar contra o tecido frágil só aumentaria seu poder sobre a situação. De um dia para o outro ela decidiu ir embora, assim sem mais nem menos. Mas não teve tempo de sarar totalmente.

Em seu lugar ficou uma horrível cicatriz, muito pior do que a que eu ganhei quando tirei o aparelho fixo. Um buraco descomunal em largura e profundidade, mais parecido com uma cratera quando eu o sinto com a ponta da língua.

Sorri de todas as formas em frente ao espelho para saber o quanto esse buraco me estragou. Eu tenho para mim que é um furo até à raiz do meu dente, chegando ao osso do maxilar. Mas não há nada visível a olho nu, apenas uma marca discreta que se mistura à ondulação normal da gengiva. Eu poderia continuar a minha vida despreocupada, sem ninguém jamais saber do defeito que eu escondo atrás do meu lábio superior, à direita.

Infelizmente não sei como conviver com esse buraco, muito pior do que a afta ativamente maligna. Enquanto o machucado vivo pulsava e todos os dias ameaçava infeccionar, a cicatriz não faz nada, não cheira nem reclama, mas me feriu muito mais. Mudou a textura e a sensibilidade da minha boca onde ela estava mais resguardada, e pensar nisso me dilacera.

A cicatriz se fechou com pressa e manteve algo de ruim dentro, sem espaço para crescer. Esse deixou de ser um ponto sensível, uma fonte que jorrava sangue para encobrir a dor. Ficou a conclusão malfeita, a reforma corrida e uma marca irresolúvel. Onde antes havia carne, tenho só a sua falta.