terça-feira, novembro 06, 2018

Olho por olho

Para enxergar o que é bem pequeno e passa quase despercebido aos meus olhos, conto com uma lupa antiga e ensebada na mesa do meu escritório. Deixo-a deitada em cima de uma pilha e textos, protegendo-os do vento do ar condicionado e de quem acha que pode arrumá-los. Com ar antigo, ela funciona como peso de papel chique, um reminiscente de uma profissão que acabei de começar a escrever.

A lupa tem quase 15 centímetros em seu comprimento – 2 terços são a lente grossa, 1 terço é o cabo de madeira pintado de preto. Tem umas letras pequenas escritas na borda inferior do vidro, algo tão minúsculo que eu precisaria de uma outra lente para enxergar com propriedade. Na ponta do cabo, um protetor de borracha ou plástico, não sei bem de que material, eu insisto em cutucar com a unha quando não tenho inspiração pronta.

Em dias de bagunça no trabalho, a lupa some num cenário amplo que não representa apenas o jornalismo, mas também outros pedaços da minha vida desfocada; vira detalhe pequeno do meu tesão em ver as coisas com mais clareza, procurar sempre, até encontrar o ponto que faltava. Às vezes é difícil de achá-la na confusão de bolsa de ponta cabeça, caixa de lenço de papel, escova de dente e uma cartela de remédio quase acabando. Quando preciso de ordem, junto os papéis que eu li e enchi de marcadores coloridos e os arrumo nem muito na ponta, nem muito no centro da mesa. Deposito a lupa pesada no centro exato da primeira folha.

Ela não é muito prática, admito; é desajeitada de segurar, desproporcional entre a finalidade do peso do vidro e o final amadeirado. Os documentos de letras miúdas que lhe dariam algum trabalho são escassos, sempre posso crescer a tela do computador. Sem a firmeza de uma mão que sabe que ali no cantinho do papel, milimetricamente posicionado, há algo a ser visto, ela tomba entre os dedos e cai em cima do pé. O vidro sobrevive, mas os dedos amassados doem.

A lupa fica em cima da minha mesa como uma mensagem, não como um objeto para o meu dia-a-dia. Quando encaixo a lente num olho aberto e fecho o outro, fazendo careta para meus colegas, ela serve para que os outros me olhem desproporcional à coisa pequena que eu sou, parte da engrenagem da escrita muito maior – e para que eu enxergue os outros, tão grandes, e aumente os seus detalhes, menores circunstâncias, no esforço de entender todo o mundo à minha volta.

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