quarta-feira, outubro 10, 2018

Cristal

Hoje eu vou escrever como se fossemos sair hoje à noite. O que você prefere: quer que eu passe aí ou vem me buscar? Eu vou te buscar e vou no carro da minha mãe pra você escutar o ronco do motor. Passei perfume e hidratante, estou de lingerie que combina e vou cantando a plenos pulmões. Eu quero que você me beije só no rosto, mas esse pensamento desaparece quando te vejo entrando no carro. Quer mudar de música? Quer ligar o ar? Eu sei que não porque gostamos das mesmas músicas e do mesmo vento no rosto. Não quero que você saiba aonde vamos: vou por no GPS o endereço do lado oposto da rua, pra que você me indique o caminho sem saber o destino final.

Entrego as chaves para o manobrista. Se você não beber e quiser experimentar, pode dirigir na volta. Estou de salto e vestido, você de camisa, jeans e suas botas do Chico Bento. Ok, estou brincando, elas são legais.

A espera por uma mísera mesa para dois vai se estender por anos-luz, mas não tem problema. Vamos sentar no bar e conversar sobre família, amigos, cachorros e faculdades. Nada de nós.

Que delícia ser de uma felicidade transbordante, daquelas que não tem como não olhar, ainda melhor do que o aperitivo que pedimos. Seu carinho em mim é natural e não adianta resistir. Estou de olho em você, em cada detalhe e em tudo mais. Vamos dividir a pizza e você vai pedir uma brotinho doce depois.

Pode deixar a mão no meu joelho, no meu ombro, no meu pescoço, pode pegar no meu tornozelo. Eu vou fingir que a corrida de hoje cedo me deixou doída e dizer para você apertar a minha panturrilha. Vamos pedir mais uma água sem gás e rachar a conta. Comentar de alguém em uma mesa próxima, falar qualquer bobagem sobre uma pessoa que passou no salão; vou pedir para você repetir o que disse no meu ouvido enquanto eu penso em uma resposta engraçada.

Vou pagar o valet e vamos decidir para onde vamos. Espero que você nem se dê ao trabalho de sugerir um cinema. Se tiver vaga na garagem do seu pai, estamos do lado e vamos direto; foda-se que eu não trouxe nem uma caixinha para colocar as minhas lentes de contato. Se a opção pelo Zona Azul de amanhã cedo não permitir, ainda melhor: te deixo na sua casa para você conseguir um carro emprestado e vamos num pega até a casa da minha mãe. Você vai chegar primeiro na força e não na astúcia, mas tudo bem. Pode parar na porta enquanto eu manobro na garagem, eu vou entrar para pegar alguma coisa, uma mala que já estava meio arrumada. O meu cachorro vai te receber pulando e você vai conversar com o pessoal de casa, bebendo água, enquanto eu ouço o papo do meu quarto.

Bora. Você levanta as sobrancelhas para saber se eu peguei tudo. Talvez eu já tenha abandonado o salto e vá para o seu carro de Havaianas. Talvez você não se dê ao trabalho de ligar o GPS porque quer chegar logo. Vou segurando a sua perna e me sentindo a mulher mais sortuda do mundo por contar com você do meu lado. Nessa noite específica e em todas as outras.

É um caminho rápido e conhecido para voltar à sua casa. Por que o controle do portão nunca funciona de primeira? Pega as chaves no painel? Leva a minha bolsa? Chama o elevador?

Vou entrar pisando leve para não acordar ninguém nos outros quartos; você diz que não preciso me preocupar. Se eu encasquetar que quero ver televisão, vou te fazer mudar a mesa, o monitor, o videogame e os milhões de cabos para a frente da cama. Não vou até a cozinha para pegar dois copos de água, não adianta insistir. Quero aproveitar um momento sem você no quarto para deixar tudo no jeito e me espreguiçar na sua cama.

Tranca a porta, apaga a luz. Já que isso é tudo imaginação, vou deixar ligado um abajur que nem existe.

Eu vou fingir que esqueci o que acontece depois. Você vai ter que me lembrar nos mínimos detalhes quando me encontrar de novo. Por... favor?

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