segunda-feira, setembro 03, 2018

Água de coco

Tinha acordado tranquila para mais um dia de ansiedade cotidiana. Porém, do banho à maquiagem, passando pela escolha de roupa e pelas notícias que tinha lido, tudo tinha contribuído para destruir o seu humor. O esforço para se arrumar e aparentar confiança era cada vez mais inútil. Nenhum batom vermelho tinha força suficiente para levantá-la, muito menos o par de cílios postiços que acenava.

Jogou os sapatos de salto no porta-malas. A mochila que tinha arrumado para o fim de semana no sítio ainda estava lá. Nem se deu ao trabalho de descarregá-la quando desistiu de seus planos fora da cidade na sexta-feira anterior.

Saiu da garagem infeliz. Sua supervisora ligou:

- Hoje a reunião é muito importante. Compre água de coco, por favor. O chefe está muito ocupado esses dias, e o seu tempo é muito importante. Ele adora água de coco.

Mais uma reunião estúpida. Ninguém perguntou se ela também precisava se hidratar.

Estacionou na vaga ao sol na padaria para comprar água de coco. A vaga ao lado era ocupada por um caminhão enorme. O anuncio na lataria chamava: “Faço carretos – Nordeste – Sudeste”. O código de área do telefone era 71.

Comprou as fichas no caixa e agradeceu à atendente de sotaque baiano. Voltou ao carro equilibrando a caixa com os cocos e se encarou no minúsculo espelhinho do quebra-sol.

Quem a olhava de volta era uma pessoa de olhos opacos. Depois de alguns segundos, os olhos brilharam de leve. Ligou o carro e liberou a vaga para outra pessoa.

Estava seguindo pelo caminho mais curto até o trabalho, mas com o pior trânsito. Era possível seguir para pegar o túnel, continuar na avenida, chegar ao prédio. Ou virar à direita.

Voltou à Marginal sem dar seta. Pegou o retorno, subiu a ponte. Quarenta minutos depois de muitas buzinadas e poluição, já não estava mais na cidade de São Paulo.

Analisando friamente sua situação, tinha três litros de água de coco, cinco oitavos de tanque, setecentos reais na conta, duzentos em papel, um cartão de crédito próximo do limite, uma pequena mala com dois biquínis, três regatas, dois shorts, um par de havaianas, duas calcinhas (três com a que vestia), o carregador de celular, três potes de protetor solar, um carro 1.0 bem sujo e muita vontade de fazer xixi. No banco de trás, um casaquinho leve que deixava ali para não ser apanhada desprevenida caso o tempo virasse. Não precisava de absolutamente mais nada para dirigir até Salvador.

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