segunda-feira, fevereiro 09, 2009

There's No Place Like London

E, novamente, ele havia a procurado. Stella sentia–se usada e insegura, sem saber ao certo em quem acreditar. “Acho que está ficando frio”, pensou, enquanto olhava pela janela e pegava–se roendo as unhas. Nunca mais tinha roído–as desde que começara a sair com aquele rapaz. Mas a falta de chão mudava suas razões e a levava a fazer coisas insensatas.

Andou pelo apartamento bagunçado procurando um casaco e verificando mais algumas vezes as trancas da porta da frente. Sentou no chão, pois ela ainda não tinha tido tempo para comprar um sofá: o apartamento, como a maioria das coisas em sua vida, continuava pela metade. Ela ligou a televisão do quarto que também era sala para distrair–se, após ajeitar as antenas do aparelho para conseguir um sinal melhor, mas a programação boba de uma quarta–feira à tarde não a interessava.

O telefone tocou. Estridente, alto, deu–lhe um susto.

–Alô!!! Alô!!! – Stella gritou ao atender. Percebeu-se nervosa, com a respiração ofegante e os batimentos cardíacos acelerados.

–Stella?

A voz conhecida lhe trouxe de volta um passado esquecido. Sua tensão fora aliviada, pelo menos um pouco, pois ela se sentiu em seu antigo lar.

–Stella, está aí?

–Sim, sim!!! – ela apertava o telefone com força. Uma tonelada de emoções embaralhava seu coração. O melhor amigo de Stella, William, estava do outro lado da linha e do outro lado do oceano, mas ainda assim ela podia senti-lo ao seu lado! Certamente as notícias tinham corrido rápido. Mas quem... ?

–Como está? – sua voz parecia preocupada.

–Bem – ela respondeu, apenas por educação.

–Fará alguma coisa hoje à noite?

Ela não compreendeu a pergunta, e não se sentiu bem pensando que ele queria brincar com ela numa hora dessas.

Olhou para as pernas num jeans velho: aquele era o jeans que ele mais gostava; teria lhe espantado o azar? Enrolou o fio do fone nos dedos e mordeu o lábio inferior.
–Para quê quer saber?

–Estou em Londres, Stella!

Aquelas palavras rápidas a acordaram do pesadelo. Com William por perto, não haveria problema. Pois ele era o seu amuleto mágico, sua fonte de sorte; desde que ele se mudara para Nova Iorque, nada tinha dado certo para Stella.

Marcaram em uma lanchonete aonde os dois iam quando seus pais ainda eram amigos. Ela chegou cedo e arranjou uma mesa nos fundos, num canto romântico. Observava os casais de todas as idades e se perguntava se algum dia teria sua felicidade plena.

Um minuto se passou. Stella enrolava o cabelo nos dedos e se questionava: tinha ficado liso demais?, daria a parecer que ela só se preocupava com chapinha?, ele pensaria que acontecera nela uma mudança de personalidade? Ou gostaria de garotas de cabelo liso?

–Stella?

William a surpreendeu por trás; continuava lindo, mas o tempo tinha feito tão bem à sua agora amadurecida beleza... Carregava um buquê de flores cheirosas. Usava roupas despojadas, com cara de usadas. Usava um novo piercing na sobrancelha, além do no nariz.

Stella pulou de sua cadeira e o envolveu num forte abraço. Sentir de novo o cheiro da William a deixou tonta de desejo. Nesse abraço estavam escondidas várias emoções: medo, angústia, segurança, felicidade, carinho (pela parte dela, até demais). Ele a afastou para olhá–la, próxima talvez demais dos lábios dele. Stella segurou firmemente as lágrimas que a pinicavam enquanto olhava nos olhos castanhos e profundos dele: tinha demorado horas com o lápis de olho e gostado razoavelmente do resultado esfumaçado.

–Você cresceu demais – ele riu.

Ela, no alto de seus 26 anos, não tinha crescido nada desde a última vez em que o tinha visto. Ele, que completaria 21 no próximo mês, tinha crescido muito em Nova Iorque.

Os dois se sentaram e Stella disparou a falar, deixando vazar todas as dúvidas que tinha quanto a ele:

–Por que veio, sem avisar, Will? Onde está hospedado? Desde quando está aqui? Até quando ficará? Quem o chamou? Precisa de alguma coisa? Como está? Falta algum dinheiro? E seus pais? E os estudos? Como foi nesses anos? Está gostando? Conheceu gente nova? Lugares novos? Está feliz?

Ele respirou fundo e colocou sua mão sobre a dela. Aquilo causou nos dois um estranho formigamento, uma sensação de proximidade que estivera longe. Ele suspirou:

–Me ligaram. Na verdade, sua vizinha. Ela disse que não sabia de outros amigos seus e que já tinha ouvido falar de mim. – Stella encabulou–se e baixou os olhos: por que foi tão fofoqueira a ponto de contar de William para sua vizinha coreana? Ele ergueu o rosto cheio de pintas dela com os dedos macios da outra mão e procurou novamente seus olhos verdes.

–Não ache que eu também não falei de você.

Seguiu–se uma noite calma (diferente dos últimos dias que Stella tinha vivido), onde os dois conversaram, reataram a cumplicidade, beberam algum vinho e sorriram muito. Ela abria, sem perceber, seu coração endurecido pela solidão. Estranhava o calor humano e poder depositar novamente tanta confiança em alguém.

Só voltou à realidade quando ele lhe deu um abraço de despedida, em frente ao velho prédio dela. Ela agarrou a jaqueta de William e disse em sua voz mais sensual possível (o que, para ela, foi ridículo; parecia uma vagabunda loira de novela):

–Fique.

A lua brilhava sobre eles, poucos carros passavam na rua. Ele pensou longamente, olhando o céu. Por fim disse, com grande esforço:

–Fico. Mas não durmo com você, Stella. – pausou por alguns segundos, estudando a reação dela, e então prosseguiu – Nada pessoal.

Isso a atingiu. Ela não tinha admitido para si mesma, mas sempre esteve apaixonada por ele. Ela tentou negar, mas era aquilo que queria desde que descobrira que ele estava em Londres: ele, e só ele. E agora, William a recusava, o pior de tudo, educadamente.

Subindo as escadas, ela pensava em como podia despertar nele uma paixão súbita, uma vontade incontrolável. Seu arsenal de armas para conquista era fraco e tinha se mostrado pouco eficaz nos últimos dias.

Arrumou silenciosamente um colchão na sala que fazia de quarto, ao lado da cama dela, angustiada por não ter o que desejava ao menos uma vez na vida. Despiu–se no único e minúsculo banheiro: tinha colocado, por intuição, belas roupas, uma minissaia e uma blusa preta decotada, com botas de couro que a deixavam mais alta ainda; mas ele pareceu não se encantar e nem perceber direito seu corpo de mulher. Após colocar uma camisola azul, largou–se cansada em sua cama onde dois caberiam perfeitamente: dali o observava escovando os dentes na pia da cozinha, sem camisa. Não havia esperança.

A noite foi complicada: ela tardou a dormir, enquanto ele adormeceu em apenas alguns instantes. Ela sentia vontade de deitar com ele e sentir seu corpo quente e calmo, mesmo que nada acontecesse entre eles. Só de ouvir a respiração de William, já se arrepiava.

Na manhã seguinte, a primeira coisa que viu quando acordou foi o cano de uma pistola apontado para sua cabeça. Um forte homem de terno e óculos escuros segurava a arma e prendia William numa chave de braço. Seu amigo estava horrorizado e amedrontado.

“Veio enfim acertar as contas? Quer meu sangue? Ou a encomenda para sua mamãezinha?”, Stella borbulhava de raiva, queria expulsar aquele cara a gritos, tapar os olhos de William e dizer que aquilo tinha sido apenas uma ilusão... A ira lhe dava lágrimas nos olhos e fazia suas mãos cerrarem-se “Não tinha hora pior para vir?”.

–Terceira gaveta – ela disse, numa voz calma e paciente, porém pesada.

O homem tirou da gaveta, entre as roupas, uma caixa marrom. Largou William e o chutou. Sorriu um sorriso malicioso e desejou bom–dia hipocritamente. Antes de bater a porta da frente, gritou, entre os risos:

-É um prazer fazer negócio com a senhorita!

Stella aguardou silenciosamente, envergonhada. Quando ouviu os passos descendo a escada, deu um longo suspiro.

–Como?! – William tentou puxar fôlego, mas estava fora de si. Não conseguia ficar de pé sobre as próprias pernas, de modo que caía e levantava seguidamente, batendo nas paredes e móveis. – Daonde surgiu aquele cara?! Putamerda!! – passava as mãos pela cabeça. Firmou–se ao juntar os fatos em sua mente, perturbado. A olhou com força. – Então é verdade?

Ela cruzou as pernas finas, tirando o lençol que a cobria e jogando–o no chão delicadamente. Sua cara estava séria e fechada, ainda assim inocente. O olhar mirava as unhas feitas dos pés. William estava incrédulo.

Apesar do choque, ele se deu conta da imutável fragilidade de sua amiga e sentiu pena dela. Como o amigo que sempre tinha sido, esperou sua cabeça esfriar, e então se sentou na ponta da cama e a observou: seus cabelos ruivos–quase–castanhos eram longos e pareciam excessivamente desarrumados. Algo em seu rosto era sempre engraçado, mas estando com ela e sabendo de seus problemas, quase não havia motivo para rir. Ele se aproximou lentamente, testando suas reações, até estar perto o suficiente para beijar-lhe a bochecha; mas Stella foi mais rápida. Puxando um antigo revólver da fronha do travesseiro, encostou–o no peito nu de William, paralisando–o.

–Melhor colaborar, amigo... – ela lhe disse, fria como gelo, ao pé da orelha. Não parecia nervosa, mas sim decidida. – Senão... – ela pegou a mão direita dele com a sua esquerda e fez com que ele passasse o próprio indicador horizontalmente no pescoço dela; sua pele estava gelada.
O empurrou delicadamente para que pudessem se olhar nos olhos e William viu na cara dela uma angústia profunda. Apesar disso, ela manteve o contato da arma com a pele dele: não o largaria tão facilmente assim, ele achava.

Ele tinha sido alertado diversas vezes de que não era bom tentar conversar com alguém que portasse uma arma. Mas, estando sozinho com Stella, a pessoa que mais amava no mundo (teve que admitir), naquele pequeno apartamento em Londres, olhando–a tão fundo nos olhos... Não se sentiu em perigo algum.

Stella olhou–o com raiva (suas expressões eram sempre bem nítidas). Antes que pudesse começar, ela raciocinou, rapidamente:

–Não tenho o que explicar. Você já deve saber pelo menos do resumo da história. A princípio, não lhe devo esclarecimentos desnecessários. Espero que você seja inteligente o suficiente para tirar suas próprias conclusões e, claro, não contar para mais ninguém. – suspirou e refletiu, com apenas os olhos tristes:

– Não devia ter se metido nisso, William.

Ele fechou os olhos, esperando que ela atirasse. Não sentiria tanta dor assim. Achava-se então mais louco do que ela. Rezou um pouco, coisa que não fazia há anos.

–Não, não vou te matar. – ela colocou o revólver no colchão e as mãos sobre a cabeça. – Não posso e nem quero te matar agora, William. Você sabe, – ela passou os dedos pelo cabelo e o olhou com dúvidas – ... eu te amo.

William não se surpreendeu. Apenas pensou, “explicarei isso à Helen (sua então namorada) quando voltar. Ela vai entender, e, se tiver sorte, vai enfim achar o cara certo para ela. Ela sim merece isso.”.

Já estava anoitecendo quando William acordou. Ainda tinha sono, mas precisava sair antes que Stella despertasse. Vestiu–se e olhou pela última vez o rosto angelical de sua amiga, coberta apenas pelo lençol. Quis deixar um bilhete para que ela depois acreditasse que aquilo não tinha sido um sonho (porém nem ele conseguia crer com toda a certeza no que os dois tinham feito! E como tinha sido bom!), mas preferiu que ela tivesse apenas lembranças: nada que pudesse ter sua marca, seu toque. Cogitou em levar as balas do revólver, porém escolheu deixá–las ali, para qualquer situação em que Stella precisasse.

Sua felicidade era esmagada pela falta que ela lhe faria.

Confiava nela, e mais do que tudo, a amava demais. Mas foi embora, e a deixou para sempre.

3 comentários:

  1. Flávia, uma dica pra você: Tente mão colocar no blog textos grandes demais, assim como esse. As pessoas são preguiçosas e ficar olhando pra tela do computador por tanto tempo por causa de um texto não é algo que a maioria delas curta fazer... Embora o texto seja incrivelmente bom e eu o tenha lido animadona!
    O blog está lindo!
    Beijos

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  2. Muito interessante... gostei!!

    Aguardo mais capitulos.... hehehe

    PS: Sem querer ser chato ou babaca, mas nome proprio não se traduz. Potanto, é New York e não Nova Iorque.

    Fuscopi

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